ALTOS E BAIXOS

A vida é realmente um conjunto de surpresas que se revelam ao passar do tempo. É imprescindível alimentar a mente para fugir de mesmices e dos pensamentos fúteis e deletérios. As crianças de classe média do meu país se tornaram consumidores de bobagem. Seus pais acham bonitinho e até estimulam certas tendências reproduzidas por ídolos infantis que lotam a internet de modismos autoentitulando-se youtubers. O modelo de aprendizado não privilegia a criatividade, e as pessoas encaram com normalidade a criação de zumbis reféns da sua falta de sinapses nervosas. Hoje consigo entender o estado de graça da arte, pois esta transcende o aprendizado, é na verdade o produto e a produção deste, é a diferenciação humana para o resto dos animais. Evolutivamente passo a imaginar que boa parte da população passa a assemelhar-se cada vez mais com macacos. Talvez Darwin não tenha previsto que a falta de senso comunitário entre nós pudesse tornar os símios mais alegres que nossa depressiva e egocêntrica espécie.
Ontem estava eu entristecido com o desastre que se tornou enterrar duas caixas d’água no quintal da minha casa. Quebrada a relação com o indecente funcionário que pretendia me extorquir depois de iniciado um serviço com valor previamente acertado, saí com a certeza de que paciência requer muita prática. Passados dois dias de estresse com o andamento do serviço tomei uma decisão dessas que, apesar de pesada, alivia os ombros e enobrece a alma. Sigo com o mantra de que o combinado não sai caro, mas também reafirmo que pagar o preço pelas escolhas nos leva ao caminho certo. Saio disso meio desapontado com o fato de ter desnecessariamente vivido uma experiência frustrante.
A noite tive o trunfo do meu dia. Cansado após 12h de plantão, espero minha esposa acabar a mamada da nossa bebê quando então me pego sendo acordado de um daqueles cochilos em que o colchão subitamente te atrai. Naquela posição, em decúbito dorsal, com os pés pra fora da cama, tive a visão da revelação por mim almejada há meses. Antes de contar a resolução do problema tenho que falar um pouco a respeito do mesmo. Pois bem, depois de ter mudado para minha nova moradia, passo minhas noites dormindo num enorme quarto, agora recheado com uma cama king , de cabeceira linda, de madeira, com detalhe clássico, do jeito que sempre sonhei, mas algo vinha me tirando do sério. Há meses venho investigando um barulho estranho de algo batendo no meu teto. Acontecia mais a noite , não tinha relação com ventanias. Além de me fazer escutar todas as paredes, também me prestei a subir no teto da casa de madrugada com uma proposta investigativa. Olhei fio de antena, portas, janelas, vizinho…tudo que pude, mas nada de resolver o mistério, o qual continuava a me aflingir noites a dentro. Passei a achar que o teto cairia em minha cabeça enquanto dormia, mas meus últimos pensamentos me levavam mesmo a imaginar que fantasmas podiam existir. Bem, depois de meses intrigado, chateado por não conseguir resolver tal questão, descubro apenas que minha esposa por vezes virava o ventilador para o teto e aquilo balançava o spot da luminária. Fui dormir felicíssimo com a descoberta. Apertei a luminária e fiquei ainda mais descrente com as almas…kkk. Também tive mais uma prova de que a felicidade e nosso estado de contentamento se escondem em coisas simples.
A propósito, tenho algo muito singelo a tratar com um grande amigo. Trabalho com o mesmo duas vezes por semana e na última sexta saímos mais cedo nos dando a possibilidade de almoçarmos num restaurante, algo muito raro para nós. Andei até confessando que gosto tanto de com ele trabalhar que se fosse chamado pra catar coquinho eu com ele iria de bom grado por solidariedade. Como seus filhos são mais velhos que os meus, enquanto conto minhas experiências de pai de bebês, ele me relata a pré adolescencia por ele vivenciada em seu lar. Ambos morremos de amores por nossas “crias” e depois que me tornei pai me isento de críticas aos filhos dos outros por entender que certas coisas saem do script por nós planejado. Gostaria, no entanto, de adverti-lo de que sua filha, a despeito da sua inteligência, tem constantemente humilhado pessoas com seus ideais juvenis, pautada na crença de que pode dizer tudo que pensa a toda hora e em qualquer situação. Muito embora eu defenda irrestritamente a liberdade de expressão, viver em sociedade tem também a ver com a arte de saber posicionar-se convenientemente diante das pessoas, sabendo que suas opiniões podem impactar positiva e negativamente nas suas projeções interpessoais. Magoar semelhantes não parece ser a mais sensata das escolhas. O silêncio nunca deixou de ser uma resposta e, quando bem aplicado, tem o poder de gritar nas interpretações alheias. Transparência é algo essencialmente bom, mas não torna-se necessário se deixar ser visto por todos. As sombras podem esconder segredos e revelações a serem divididos com quem contigo conseguir estar lá em fraternidade. “Quem com ferro fere com ferro será ferido”. Boa parte das vezes é mais sapiente manter o bom convívio do que ter que mostrar que tem razão. Certo ditado indaga se a pessoa quer ser feliz ou prefere mostrar que está certa. Como canta Marisa Monte em uma de suas canções, seria mais importante o livro ou a sabedoria? Se eu nao conseguir dizer essas coisas ao amigo, espero que ele consiga enxergar que aplaudir filhos nos atrai bastante, mas as vezes o barulho das palmas tira a atenção de seus caminhos.
Enfim, a vida parece ser realmente feita de altos e baixos. Ando filosofando que o segredo é realmente conhecer o caminho dos lugares mentais que percorrer, olhar as coisas de cima quando por lá estiver, assim como se deve conhecer as profundezas dos seus abismos. Ter passado por rupturas infanto-juvenis não me privou de vivenciar conflitos na vida adulta, mas agora com hormônios mais controlados, um “eu” mais bem estabelecido, introspeção enraizada com galhos crescendo para o mundo, autoconhecimento acima de tudo, sublimado. Ainda sigo com dificuldade de presentear-me, mas ando “comprando embrulhos”. Tenho ao menos a felicidade de fugir das tendências, divertir-me com casuísmos e aspirar uma nova fase de vida, onde a criatividade tome conta do meu ser. Vou sonhar acordado, dormir sem barulhos e criar sorrisos de arte no rosto.