Árvore da vida

Árvore da vida

Boa noite. Me faz falta iniciar uma escrita sem um cumprimento. Hoje estou para colocar minha enrolação pra fora. Acabo de ter um papo com a esposa e preciso escrever pra lembrar de contar a psicóloga semana que vem. Ando pensando que tudo toma meu tempo e até disse isso a esta última. Que injustiça com quem escuta minhas lamúrias. Não me vejo vítima de uma sociedade paliativa porque tenho umas dorzinhas aqui acolá. Pior mesmo são aqueles com a incurável dor do abandono, desprezados por si próprios, parados num tempo sem empatia e solidarização. Já vem eu falando de coisa triste novamente, mas não posso deixar de falar nos idólatras de corpo, desprezando suas almas sem sentimentalizar suas vivências, presos numa fé que até me faz falta certas erradas vezes.Uma atleta de ponta, aposentada, cai do 17 andar. Escrevia um livro sobre sucesso e vinha numa onda autobiográfica. Lembro do pai de uma amiga,sujeito pacato, arrimo sentimental, cuidava de todo mundo, até da sogra acamada. Amado pai, amado esposo, amado avó, amável amigo, não aguentou a dor de dentro. Seu lobo mau conversou no ouvido depois de quase 70 anos de supressão. Mordeu seu pensamento lá da laje do seu prédio de apenas 3 andares. Matou seu sofrimento, é o que se escuta da família. Eu, de fora, sempre penso que pessoas boas não mereciam morrer. Este não deixou carta , diferente da atleta, mas explicar o quê se não se conseguia entender? “Sei que nem tudo são flores”, mas elas vão parar no peito quando a dor não pode ser mais portada, quando se deixa tomar conta pela falta de saída, quando o olhar dela pra ti seduziu e convenceu de que o maior sofrimento pode ser extinguido pelo dono do mesmo, quando a esperança foi embora e deixou um vácuo que puxa almas pra fora de corpos. Desesperar jamais.Todo mundo sabe onde o nó aperta. As vezes se cava a própria cova. Num dia tentei explicar ao meu filho que sorte e azar não existem, tudo são probabilidades. Não lembro nem o porquê, mas na primeira hora depois da minha afirmação voltei atrás e disse: “isso aí foi pura sorte”.Comecei a ler um livro chamado pulo do gato. O autor contou que a expressão dizia respeito a um salto não ensinado a onça pelo gato. Quando aquela tentou pegá-lo não conseguiu, foi surpreendida por um pulo nunca visto. Ao se encontrarem o felino maior, indignado com o insucesso de sua investida mortal, questionou porque o gato não havia ensinado aquela acrobacia. Com sarcasmo em seus bigodes este respondeu que só por isso estava vivo.É difícil transportar para outra pessoa uma vivência sua. Minha falta de fé me coloca numa desconfortável ânsia de me fazer compreendido. Essa eterna solidão humana tem que se reverter em amor próprio. Um dos maiores segredos é tentar compreender-se e amar-se enquanto aceita os outros. Tento me policiar com minhas opiniões. Sou um tanto autopunitivista carregando algumas culpas. Por vezes conto só até 5 em vez de 10, e isso me dá uma enorme dor de cabeça para aceitar minhas verdades ditas aos outros. Não se trata só de resiliência, mas da sonhada assertividade, o que sempre leva de volta esse ferido sentimental para as clínicas psicológicas.Já fui um trator de objetivos, um frio e calculista, um presente para o futuro. Hoje fico triste por alguns momentos sem vida para trás, o que me dá uma tristeza retardada, retrógrada. Mas como se diz, de passado vive museu, e no meu também guardo alguns troféus. Além disso agradeço pelas conquistas e me dou o direito da fruição, de ter tempo para colher, pois não se vive só de plantio, é preciso pensar-se e curtir-se ao deliciar-se de seus frutos.Fato que é que ser inserido na massa amorfa de inutilidades e notícias falsas nos faz mais do que nunca necessária a alteridade e senso crítico para sentir-se. Sentimentalização positiva parece ser a buscativa da felicidade. Não se trata de não interpretar as dores, mas de aprender com ela, pra tirar a mente dos espinhos, tal qual os reflexos do nosso corpo quando danos chegam a pele. A sensorialização do pensamento é complexa pela falta do álgico, pela incompreensão do sofrimento mental, pela banalização do ato de viver.Aparentemente o segredo sempre esteve nas atitudes, por isso as reações definem o ser interativo. Descobriram como nos separar, portanto, individualizados como estamos nos perdemos nas trocas, o que nos torna individualistas antipáticos e fracos desunidos, expostos a desinformação e vítimas da mesma. A união faz os fracos fortes.Fato é que tudo passa pelo equilíbrio. Demora para tomar uma decisão é uma procrastrinação não geradora do ato, portanto não digo para ser intempestivo, no entanto ainda é melhor feito que perfeito. Ainda somos seres de dor e precisamos colocá-la na equação. O reconhecimento álgico é como um pernilongo do qual não se deve tirar os olhos na perseguição, mas fique atento, caso contrário vai ser picado.Na vida é preciso caráter e coragem na hora de mudar de caminho. O fim não justifica os meios, tampouco o que se faz para chegar no meio as vezes não é a mesma coisa que se precisa para a outra metade. Alteridade deve contemplar a outridade do outro. Jornada é uma trilha onde certas pegadas e pegadinhas se repetem, humanizar é contemporizar, é ressignificar, e entregar melhores respostas aos mesmos estímulos. Esse é o grande deep learning ao qual o tempo nos oportuniza. O segredo da aprendizagem não é informativo, mas contemplativo, pois está acoplado ao pensamento, A artificialidade da inteligência em humanos destrói culturas, valores e a quiescência transformadora de vida. Congelar a mente é fatalmente desfecho para queimadura por frio em almas que patinam em seus deslizes sem fim. Calor humano é cura, conversa é troca, experiência faz sentido se sentida, problema gera solução, paixão é a utopia vencida pelo amor. Equilíbrio consciente, tempo presente e frutos da gente, essa é a árvore que sacode em minha mente.