CHEF DE SI

CHEF DE SI

Hoje assisti ao documentário “Democracia em vertigem”. Lágrimas de desesperança banharam o rosto deste inativo pai militante. Fico imaginando não tivesse eu dois filhos pequenos sob minha responsabilidade. Talvez o código de Hamurábi fosse colocado pra fora. Me faz lembrar o conselho que recebi quando me irritei com um insistente adolescente que não respeitou minha negativa em ter meus pretos tênis lustrados na rodoviária. Na ocasiãoocasiãos um colega me alertou que só eu tinha o que perder naquela discussão. Só hoje entendo que aquele jovem é quem tinha perdido a vida inteira. Atualmente perdemos todos com essa nação tomada de assalto.
Minha esposa descontente por termos contratado uma babá que nos deu o “golpe” da barriga, pois escondeu sua gestação até assinatura da carteira de trabalho. Nada mais normal para uma mãe  de três filhos sem marido e sem pensão . Eu teria feito a mesma coisa nesse país com 13 milhões  desempregados.
Fatos isolados são uma manteiga no pão na irrealidade do mundo falso. A desinformação tomou conta de tudo, e as narrativas precisam ser investigadas a toda hora. Minha ex-baba se aposentou em nossa casa como empregada doméstica . Passou a vida inteira sentindo prazer em nos servir. Impressionante o amor que nutriu por nós, os três  filhos que nunca teve. Quando saiu do nosso lar se apossou de algumas lembranças infantis guardadas com carinho por nossa mãe . Nada de delinquência, apenas fruto da saudade e da solidão  que a acompanhariam. Hoje vive com uma sobrinha, longe das memórias  que aos poucos são levadas pelo Alzheimer. Esquecida em nossas visitas, segue viva nas lembranças. Numa das conversas que tive com ela quando adolescente a mesma me confidenciou o medo de ficar louca. Respondi que quando louca ficasse ela não  saberia disso. Quando nos deixou, já idosa, passou a frequentar mais a igreja evangélica, a qual todos os meses tentava abocanhar uma parte de seu salário, mas não mais do que uma vertente da sua família o fazia. Nessa vida decidiu destinar uma parte de seus proventos a um plano funerário, pois achava que não  poderia deixar o fardo do seu enterro nos ombros de ninguém. Saudades daqueles fortes e duradouros abraços. Com sua brutalidade colecionava liquidificadores quebrados, mas tinha sinceridade invejável e traquejo para conviver com meu pai de nada longo pavio.
Injusto prover tão pouco a maior parcela da nossa população. Deplorável conviver inserido na alienação , envolto pela desonestidade plutocrática atendendo a lógica do “follow the money”. Terrível a insolência dos ricos. Tristemente vejo o desmoronamento de uma sociedade que encontra sorrisos desmotivados, catados em simplórios lampejos de alegria inexplicável. É revoltante a apatia religiosamente conseguida pela mídia. Como posso eu ficar bem entre os inimigos?  Como fechar-se no eu lutando para não  ser tragado pelos relativismos inerentes a cada vociferado ser do meu convívio? Resiliência  demais aprisiona e de certa forma anda junto com uma apatia que me incomoda. Nada disso faz com que me goste menos. Dar-me o direito de errar não me faz querer replicar meus desvios, e não  posso querer sentir-me culpado pela falta ou presença da culpa, só desejo ficar sem ela. A filosofia nos leva a um poço com diversas profundezas, tal qual a vida aprofunda nossas experiências desde a lama até a mais cristalina lâmina de água . Importante mesmo é saber flutuar e melar os pés sem escorregar nem afundar-se antes do próximo passo. Não seja insolente consigo próprio. Escute seus gostos , enxergue desejos, fareje oportunidades, toque as músicas que movem sua alma, experimente o mehor que tem de si e tente reproduzir isso no tempo. Sua vida é temperada com os sabores que destinares a ela, portanto seja “chef” de si mesmo, adicionando pitadas de prazer no seu dia a dia.  O segredo é se tornar um “maluco beleza”.