COMEÇO DO FIM
Entre os vivos a sobrevivência. Entregadores de aplicativo fazendo delivery de comida o dia inteiro, por vezes sem conseguir levar alimento para a fome do seu lar. Um deles tem sua imagem difundida por levar a filha consigo em sua bicicleta, pois não tinha com quem deixar. É triste ver o resultado do desemprego na família. Alguns pais sem condição de manter a pensão alimentícia de seus filhos estão sendo afastados dos mesmos com a premissa que a alienação parental precisava de tempero.
Como nem tudo é ruim, fartos flatos colocados pra fora em máscaras alheias que nos protejem da vergonha olfativa. Também bafos de onça não sentidos. Filhos sem gripes de repetição, mas com certeza eu encararia de boa algumas delas em troca da escola de volta.
Mudou tudo e nada essencialmente mudou. Nesses dias uma senhora me chama e solta aos meus ouvidos sua história. Casada por 27 anos teve que ver seu amado marido deixar o lar com a ex funcionária doméstica. A interlocutora põe a culpa no diabo como mentor de um plano que envolvia uma “catimbozeira”, a qual usou do casal um vestido de festa e cuecas rasgadas. No fim do relato uma conclusão, ela o chama de amor até hoje, o espera no lar abandonado passados 13 anos, confia em Deus nessa batalha maniqueísta e afirma que tem muita personalidade, que não vai adotar a postura de pessoas fracas que mudam de objetivo, pois o seu sempre foi amar uma pessoa só. Logo eu, que já proferi em outros textos admirar o Raul Seixas e sua metamorfose ambulante, tive que me deparar com um enredo da “mesma velha opinião formada sobre tudo”.
São as rugas do tempo, o jogo da vida, a partida da fatia da deliciosa sobremesa que não substitui a refeição. A volta do começo e o começo do fim andando juntos numa bicicleta que percorre ruas esburacadas. São os segredos não revelados, as surpresas cotidianas, os anseios próprios de cada um. A fuga do ser, a procura do eu em você, o achado do você em mim. Na vida eu, no sucesso nós, no fracasso a dor, na alegria amor, ao certo ou ao errado, no infinito mundo do nosso interior, externado sem telhado, para o calor do dia e no frio da noite. Se puder trarei todos que amo em meu cobertor, e farei costuras, me livrando das máscaras numa cabana de portas abertas e diversas possibilidades de fuga e aconchego.