SORTE E AZAR
Sempre fui adepto ao fato de que as melhores fotos estão em nossas mentes. Recentemente um amigo me relata que em decorrência dessa explicação ele passou a cerimônia de homenagem do dia dos pais sem seu celular a pedido da escola. Conta como foi maravilhoso misturar suas lágrimas as do seu filho enquanto se balançavam um de frente ao outro com dedinhos cruzados ao som de “jura juradinho”. Aquilo foi fotografia colorida duradoura em suas memórias.
Por causa desse meu conceito sempre fui um tanto avesso as marcas corporais escolhidas pelas pessoas, o que me afastou de brincos, tatuagens e cortes de cabelo que fujam do usual. Certa vez me envolvi com um cabelereira, a qual me deixou literalmente arrepiado após um corte de cabelos. Saí de lá elogiando a iniciativa para agradá-la. Lembro até de falsamente dizer-lhe sentir-me mais jovial com o novo looking, mas na primeira esquina meti a mão na cabeça e destruí os espinhos capilares voltando ao meu velho visual.
O fato é que agora tenho observado algumas tatuagens bem interessantes e sempre que me dão abertura pergunto o motivo pelo qual o dono da mesma escolheu aquela marca na pele. Um moça apresentava um cacto abraçando um balão. Aquilo se referia a tendência que a mesma achava ter em magoar pessoas do seu apreço, ou seja, ela se reconhecia como espinhosa em suas relações. Imagino que um dia talvez ela se sinta a bola da vez.
Outra me aparece com o dizer “nunca foi sorte, sempre foi Deus”. Isso gerou uma polêmica enorme no meu trabalho, pois comentei que na visão de um ateu aquilo se transformaria em “nunca foi Deus, sempre foi sorte”. Lembro de defender que a sorte e o azar sempre andam juntos. Que a forma de encarar as coisas é sempre definidora da interpretação dos fatos. Considero sorte grande na vida encontrar e não deixar passar as pessoas que refletem nosso amor, que irrigam nossa alma, que compartilham sonhos e desejam mais sorrisos juntos. Azar e sorte são produtos do acaso que nos ocorre o tempo inteiro. Probabilidades medem a possibilidade que temos de vivenciar determinadas experiências. Suas escolhas para desfechos definem que lado da balança é sorte e qual seria a fatia do azar. Criar oportunidades é por vezes muito difícil, mas a inércia não modifica rumos e te mantem numa posição probabilística inalterada. Entendo que o rio só corre para o mar, mas ver os milagres de uma transposição de águas não tem nada de divino, muito menos de sorte, mas sempre muita humanidade em prover subsídios para a felicidade de pessoas com vidas desgraçadas pelo azar de ter nascido. Nunca foi azar, sempre foi a desumanização.
Vivemos uma nova era histórica enquanto escrevo essas palavras. Pós verdades tem aparecido muito rapidamente, mas não conseguem trazer as sociedades o benefício de reconhecer os erros. Vivemos o azar de termos o dinheiro parametrizando as relações humanas, tomando nossos pensamentos e guiando boa parte das pessoas para seu próprio abismo, conformados por uma escolha que achavam ser sua. As plutocracias derrubam todos os regimes de governo, influenciadores digitais capitais bancam desinformações, e populações inteiras atiram no próprio pé, com o gosto de alguém que teve insuflado o desejo de nunca soltar o gatilho. Hipócritas se lamentam por seus erros, mas esquecem que só se erra quando há tentativa de acerto, de resto o que sobra é estupidez alimentada pelo ódio propagado em mentes férteis para a má fé.
Isso tudo me lembra de um paciente psiquiátrico que certa vez afirmou ser o amor a soma de dois sentimentos em corpos distintos. Em sua teoria as vezes um dos dois doava um mínimo percentual em comparação ao alto valor investido pelo outro. Pra mim assim seriam sorte e azar, me reservando uma surpresa percentual a cada passada do meu dia a dia. Deixemos isso tudo de lado e coloquemos pesos nas balaças de nossas escolhas. Se der tudo certo foi sorte sua, se der errado, azar o seu. De uma forma ou de outra nunca dê sorte ao azar.
P.S.: Enviei esse texto para dois grandes amigos, um ateu e outro religioso. O primeiro agradeceu pela sorte de me ter como amigo, o segundo desejou que Deus derramasse sorte sobre nós.