VERDADES OCULTAS

VERDADES OCULTAS


Observar é meu prazer, me faz pensar. Pareço meu filho pequeno com seus porquês. Nesses dias me peguei pensando estar inserido num ambiente com portas que apenas fecham por fora. Pois bem, assim acontece com o banheiro mal projetado e também mal cuidado de um dos hospitais no qual trabalho. Temos uma porta arrastada no chão que apenas consegue promover privacidade ao usuário do vaso sanitário quando alguém a empurra por fora. E vamos nos adaptando sem questionamentos. Aqueles necessitados perdem seu tempo bolando uma engenharia para fechamento interno do recinto onde vaidades se acabam.
Encontro uma paciente com o seguinte dizer tatuado no ombro em forma de círculo:  viver é ficar fora dos padrões. Não pude deixar de dizer que aquilo se tratava de pura filosofia, mas enquanto proclamava isso pensava nos porquês de tantos ansiolíticos tomados pela dona da frase exposta no corpo. Bom mesmo seria pagar o preço de se assumir pra vida sem auto punições, a danada da culpa, o vizinho remorso, a revolta sem volta, o juízo abalado em suas próprias verdades colocadas a provas pelo seu maior inimigo, aquele amigo traidor chamado eu.
Vejo pessoas explosivas se domando e se chicoteando, adoçando e amargando suas atitudes. Uma profissional de renome na minha cidade tem parada cardiorrespiratória ainda em casa e um prolongado tempo de hipóxia cerebral movimenta os burburinhos que se alastram nesta província de bisbilhoteiros. Alguns já se pronunciam dizendo que a famosa doutora era bipolar, e então surgem os rumores de suicídio e tudo mais. A quem interessa essa verdade? Sigo cético sem querer saber de desfechos. Não me sinto desumano por não me interessar pelas vicissitudes da vida. Certa vez já me imaginei egoísta por esse tipo de coisa, mas meu lado humano continua sofrendo pelos marginalizados que não escolheram o sofrimento, mas o recebem gratuitamente em doses diárias de desprezo.
Nada mais revelador que determinados nomes pessoais. Um colega não se cansa de contar sobre Prodamonafran, filho e resultado do “produto do amor de Ana e Francisco”. Hoje mesmo me deparei com um Vicente Modesto e outro chamado João de Deus. Acham realmente que existe muita modéstia e divindade nessas pessoas? Só se for coincidência congênita.
Tenho ficado abismado como a desidentificação humana tem gerado seres apáticos. Um colega médico agora diz testar certas coisas em si próprio para ver como se sentiria se paciente fosse. Como explicar que empatia e sensibilidade estão nos sentimentos e não nos sentidos? Enfim, é desafiador encarar tantas verdades ocultas. Como enxergar a vida sem os olhos da alma?