A VELA DA VIDA

A VELA DA VIDA

Acabei de ter os primeiros contatos com a logoterapia de Frankl. Que leitura prazerosa. Realmente adoro momentos contemplativos. Pra mim fica bem claro que a vida é como uma vela queimando. Morremos a cada segundo que o tempo se esgota. O passado fica pra trás logo depois de o presente acontecer. É muito pleonástico mas expressa a beleza que a morte guarda em si, expondo a própria vida desnuda, sem segredos, esperando ser vivida pra deixar marcas em cada um de nós.
Passei a me surpreender com o fato de tentar projetar-me no futuro tentando avaliar o passado. Isso seria o caminho a ser traçado, o futuro delimitado por um tempo que não aconteceu ainda, o amanhã imaginado no hoje, o vislumbre de uma trajetória com as premissas atuais. Seria perguntar-se: como eu seria ontem? A temporalidade é fantástica, guardando na sua característica de por nada ser influenciada vai levando nossos suspiros e memórias. Só podemos alcançá-la através do pensamento, e isso é formidável, ele caminha no tempo.
O alimentar da alma é conseguido através da espiritualidade e do entendimento de que somos capazes de interferir na modulação dos nossos sentimentos. Sentidos são diferentes por nos trazerem apenas percepção externa das diversas estimulações sensoriais. Estes nos dão a sensação de controle que engana por ser ao mesmo tempo real e manipulada. O sofrimento no entanto não acaba com um estalar de dedos, mas sim após o entendimento e a percepção clara a respeito do que o causou.
Nossa mente não pode mentir para nós mesmos. Não podemos escolher sofrer se tivermos a chance de optar pela felicidade. Não custa tentar alimentar o seu interior, livrar-se das culpas e assumir responsabilidades, trocar a fraqueza de entregar-se aos problemas pela força necessária para deles extrair lições, achar sentido nas vitórias e nas derrotas, tocar o outro assumindo ser tocado também.
A minha vela por vezes teve um fogo mais baixo, mas em alguns momentos soprei forte e produzi labaredas encantadoras. Olhar por sobre o ombro é descobrir-se na própria história, é poder admirar-se simplesmente por ter acertado em estar vivo e poder queimar a chama que um dia irá apagar. Vivamos o amor, tentemos fazer parte de uma minoria que carrega bondade consigo tentando espalhá-la no mundo, sopremos outras velas entendendo que o pavil de cada um tem um tamanho, um tempo indefinido, mas que acaba, portanto, que seja belo.
A vida é unidade. O outro é apenas parecido, mas nunca igual nem totalmente diferente na indiferença que possa apresentar. Tocar caminhos é abraçar-se a histórias cruzadas. O vento passa levando o cheiro e por vezes o frio ou o calor, mas não pode ser visto. Podemos até saber de onde veio, mas cabe a ele decidir se fica ou vai embora, sem dizer pra onde, como ou porquê.
Adiaram cirurgia de uma parturiente cardiopata por diversas vezes para que se pudesse garantir a viabilidade fetal. A ansiedade tomou conta daquela futura mãe, a qual já encontrava-se num leito de UTI devido a sua condição de saúde. No dia do parto sucesso intervalado por uma parada cardíaca pós-operatória prontamente revertida. Uma história feliz que pra ser completada contemplou o tão esperado procedimento hemodinâmico para que aquela jovem tivesse a sonhada melhora clínica que a permitisse maiores esforços e cuidados com seus filhos. Foi aí que ela morreu, mas foi feliz, tendo experienciado uma última alegria em sua curta trajetória, um último sorriso, levando consigo a esperança de ver os filhos já crescidos em seus sonhos.
A cultura árabe, salvo engano, conta uma fábula onde um cidadão teve um susto com a abordagem feita pela morte durante o dia. Com medo, o mesmo pedira ao seu patrão um cavalo emprestado pra afastar-se de qualquer perigo e decidiu galopar pra outra cidade bem distante. Algumas horas depois fora agora o patrão que encontrou com a morte e acabou por indagá-la sobre porque havia assustado um funcionário seu mais cedo do dia. A morte responde então que ela é quem se surpreendeu com o encontro, pois deveria justamente findar com a vida do rapaz a muitos quilômetros de distância dali, logo a noite. O inevitável pode acontecer.
Pra mim fica a lição de que somos donos e funcionários do nosso destino, por isso devemos trabalhar arduamente em nossos pensamentos. Cada um carrega Deus dentro de si, bem como cada um tem seu próprio Deus. A vida precisa de sentido como lenha do fogo, a vela derrete independente de desejos e anseios, o sopro original foi dado por outrem, no resto que nos resta são pulsões e pulmões. Tentar a felicidade deveria ser obrigatório, consegui-la é questão de interpretação