AFROUXANDO

AFROUXANDO

Hoje me vem um colega fazer o relato de uma conduta que não seria admissível para a pessoa dele. Me dizia na ocasião que a moral é frouxa dando a entender que as pessoas dela se utilizam interesseiramente ao seu bel prazer. Em nosso país essa maleabilidade se faz bem presente. O que é regra hoje pode ser o contrário amanhã. Vivemos numa sociedade amoral, sem valores, porém capital, excludente e interesseira.
Converso com minha esposa como está difícil tornar-se educador dos filhos. Nós próprios nos controlamos para filtrarmos mazelas adquiridas pela convivência com uma sociedade apodrecida. Um homem é feito de atitudes e devemos ser responsáveis por nossos atos. Transmitir exemplo não é fácil, há de se cultivar a própria “horta” com boas ações para pensar em ser espelho de alguém.
Certo dia foram fazer uma cesareana em uma jovem com um defcit neurológico de nome científico extremamente complicado. Alguém leu aquilo depois de tê-la visto e afirmou tratar-se apenas de uma paciente com o “juízo frouxo”. O ato cirúrgico culminou no nascimento de um belíssimo menininho pelo qual a equipe de enfermagem foi abatida por um encantamento geral. Levado até sua mãe o mesmo recebeu carinhoso beijo em suas bochechas rosadas e em seguida ela agradeceu a Deus. Ao término do seu parto estendeu seus agradecimentos a equipe. Frouxa de quê mesmo? Tratava-se apenas de uma cidadã bem educada que continha em sua limitação e na sua diferente forma de articular as palavras toda a doçura materna irradiando amor ao próximo. Do lado de fora do centro cirúrgico a mais nova avó do pedaço perguntava pela filha e pelo neto. Ficou feliz em descobrir que tratava-se de um menino, diferente do que o errônio ultrassom propôs, as fazendo comprar todo um enxoval na cor rosa. Disse apenas que não tinha problema. Fiquei com a impressão de que essa senhora não afrouxou no carinho e dedicação na sua criação. Parabéns a ela por entender que os invólucros não definem conteúdo, que o caráter se cria e se molda, que o menino vai ser amado usando roupa feminina.
Esse relato contradiz a frouxidão de cuidados dispensados as crianças de hoje em dia. São pais ´sem tempo´, dias vazios, famílias caladas, consequências sem causa, desejos imaturos, aperto no peito, infarto da alma. “Se não ficássemos tão longe dos pensamentos dele talvez o tivéssemos compreendido, agora se foi e nem sequer sabemos porquê.”
Devemos afrouxar os sentimentos que nos apertam. Um jovem esbelto estava irritadiço antes de sua cirurgia. O mesmo havia fraturado a mão após um soco. Achava eu tratar-se de mais um valentão, mas a vida nos traz surpresas. Sua irritação era devida à dor de cabeça, porém o motivo de todas as suas dores era a lembrança de que previamente, um ano antes, sua única filha morrera em seus braços. O fato é que tal recordação extravasou da sua mente e levou sua indignada mão fechada a esmurrar a parede. Comentava ele que estava sendo duro encarar os fatos.
Após ser pai esse tipo de história de certa forma reverbera um pouco mais em mim. Volto pra casa e por muitas vezes encontro meu pequeno já embalado em seus sonhos. Quando chego mais cedo brinco e me abobalho. Ele não sabe ainda, mas me faz de gato e sapato, fico frouxo de amores. Adoro seu sorriso e me presto a tentar entender suas irritações. Filhos tam ensinam. No seu choro mais intenso ele deixa a chupeta cair e só aí percebe que no afroxar dos lábios, em sua boca babada de fúria, ele perde o pedacinho de alegria que ainda tinha e já começa a perceber que na vida não há nada ruim que não possa ficar pior.
A receita pro meu filho: banho quente, roupa limpa, dengo e leite. Depois disso, sorriso, sono e sonho. Pra nós adultos só resta voltar a ser criança de vez em quando. Repito o que digo pra ele, “depois da tempestade vem a bonança”.