Ainda em tempo…

Ainda em tempo…

…depois do primeiro texto sobre temporalidade, não parei de pensar no tema. Isso abre espaço para um segundo tempo de racionalidades e emoções. Fiquei com vontade de falar sobre sonhos mais uma vez, pois, independentemente da crença com a qual eles possam se relacionar, trazem consigo um segredo por existirem apenas nas mentes sonâmbulas, abrindo pensamento para uma interpretação onde se colocam fatores de passado, presente e futuro, ou mesmo de nenhum desses tempos. Os momentos fora de agora se assemelham por serem uma coletânea dos fatos para frente ou para trás. Estar preso ao passado é fechar-se a mudanças. Parte do rancor destrutivo surge da incapacidade de saber ter perdido.
Por algum momento, deixei de escrever por achar que estava trocando diálogos reais pelo desabafo no teclado. Com isso, me descobri sem salvar meus pensamentos e, via de regra, perdia as ideias para conversas. Ainda sou dos que se importam com os porquês. Coisas teleológicas, genealógicas, me dão razão para regar raízes. Sempre é tempo para dividir tempo com os outros. Tempo tem a ver com atenção. Carentes, no entanto, roubam o ponteiro de todo relógio que acham pela frente. Não existe sintonia sem a sincronização necessária para se andar de mãos dadas ou mesmo sem ligar a seta para avisar uma mudança de rumo. Se não me contares, nunca saberei sua versão; se não me encontrares, nunca estarás; se não estivermos, não existimos um para o outro em todos os sentidos dos quais dispomos.
Além do “como”, sempre existe espaço para quantidade. Excessos ou escassez expressam falta de equilíbrio. Tempo demais por vezes sufoca devido à ausência de menos. Não existe uma fórmula mágica para tratar das horas do dia. Algumas pessoas se aprisionam no desejo e procrastinam seus desfechos. Outras metem os pés pelas mãos, como um coelho correndo em disparada, olhando para baixo e topando no próprio rastro. O que existe é uma teoria da relatividade onde tempo, espaço, matéria e energia são relativos, ao contrário da velocidade da luz abordada na música do grupo Revelação, onde também se fala que “todo mundo erra”.
Assim sendo, aproveito para musicalizar minha equação do passado ouvindo através de Emílio Santiago “que o meu coração, embora finja fazer mil viagens, fica batendo parado naquela estação”. Isso é quase como ver o beija-flor que aparece em meu jardim, parado em movimento no ar, toda vez que gasto meu tempo colocando um açucarado atrativo néctar num bebedouro que para ele comprei. Outro sambinha saudosista diz que “a vida foi em frente e você simplesmente ficou para trás”.
Hoje, no meu pilates, acompanhei o relato da prisão do presente dos presentes. Senhoras que chegaram ao término do ciclo consumidas pelo consumo, que sucumbiram à falta de relação, usando a pouca energia restante paquerando vitrines, arriscando “fraturantes” topadas num mundo de distração capital. Não tem sentido isso. Como também não é plausível congelar-se diante da tela, acelerando a diminuição das horas diárias. Melhor seria o ócio ou o descanso poupador de energia. Assim nada se cria nem se transforma enquanto a luz mantém sua velocidade no vácuo.
Um outro grupo deposita seu tempo na fé. Em resumo, é muita energia em nada de milagre. O grupo do medo tem a chama do ódio. Esses são assassinos do pensamento, propagadores da morte, chamas de desperdício sentimental, laboral, emocional. Não tem bateria que dê jeito a uma fuga de corrente. Aliás, a corrente mental tem o poder de roubar até futuros distantes.
Somos vítimas da falta de pensamento num mundo processual. Nos tiraram o intelecto crítico racional. É preciso ter atenção ao tempo. Eu próprio tenho uma chaleira elétrica que desligava só quando atingia certa temperatura. Quebrado seu termostato, me resta prestar atenção na mudança de borbulhas que modifica o som da fervura, me avisando sobre a necessidade de minha intervenção. Toda vez que fico desatento, corro o risco de me queimar, mas isso só ocorre quando deixo a desatenção chegar ao estágio de não me conectar ao momento e também esquecer do pano para proteger a mão. Somos o produto da nossa interação com o tempo. Não deixar ou deixar passar “água debaixo da ponte” se trata de abrir ou fechar as comportas de sua fluidez. Até eu aderi aos malditos processos, os quais trazem resultados entre pessoas e produtos. Ao menos ainda tenho juízo para elaborar alguns deles e também cumprir as etapas de outros sem me perder no caminho.
Nessa semana tive a alegria de escutar a música “nessa casa tem goteira”. Pela primeira vez em 6 anos, posso ouvir alegremente uma canção que me traz alegria de um passado desconstruído por minhas reformas no antigo gotejante teto do lar. O tempo dos dedicados transforma seus futuros. Pretendo diminuir minha velocidade para os sinais de trânsito escondidos nas copas das árvores. O passado nos empurra na direção das nossas ações. Seu futuro não pertence ao outro. É sempre tempo de pensar. A pressa acumula imperfeições. Qualidade de vida tem muito a ver com doação e empatia. A música alegra, o prego prega e a cruz espera.