“ESBESTICIDO”

“ESBESTICIDO”

“ESBESTICIDO”

Ontem dormi hoje de manhã. Parece estranho, mas o tempo acelerou e transpassou meu dia, ou noite. Me vi com vontade de ser afagado enquanto acariciava meu filho menos novo com seus apenas dois anos de idade. Ele me deu “um pitu” e pediu para tocar a música que já havia escutado algumas horas atrás quando comecei a tentar colocá-lo para dormir. E dancei nas preocupações, com ele nos meus braços  e a filha mais nova de dois meses no pensamento. Na cabeça a conversa que hei de ter com minha esposa hoje. Meu mundo rodando, meus planos de venda de tudo que conquistei, e nao foi pouca coisa para os meus quase 37 anos, a serem completados neste outubro. Penso que de rosa esse mês terá apenas uma campanha contra o câncer, mas a perspectiva é a de que a cor escureça e tudo por aqui seja transformado em câncer social, avermelhado de sangue, mas não de paixões.
Acabado o primeiro turno de uma sórdida campanha eleitoral nos deparamos com quase metade dos votos válidos destinados ao candidato de extrema direita. Tenho mais uma vez a sensação de que nasci no lugar errado, apesar de lutar por ele. O mundo parece ter sido tomado de fake news, e robôs influenciam pensamentos de sociedades inteiras. Vale dizer que alguém os controla, com dinheiro e a estupidez impulsionados pelos individualismos que suas acumulações de capital permitem. Já vivemos na matrix, ou no rebanho com grades tranparentes, que dão choque e até matam.
A propósito, em detrimento das fake news, tenho que elogiar o candidato que vocifera pelo poder da nação. Ele por vezes é sincero e solta verborragicamente a sua língua de cobra dizendo que vai usar as presas. Seus apoiadores idolatram seu veneno, pois acham que a mordida é destinada apenas aos “ratos” que vestem vermelho. É como se a fome do monstro fosse seletiva e esperasse a presa certa. A jararaca balançou o rabo e a maioria apaludiu e decidiu ficar por perto para ver “o circo pegar fogo”. Os romanos assistem de outra dimensão o coliseum chamado BraZil.
Chego no trabalho e vejo pobres de direita se regozijando e vangloriando a voracidade de uma fera alimentada. Eles são as galinhas que andam com os patos até o Rio. Vêem aqueles de outra espécie tomando banho numa água límpida e se sentem enfeitiçados. Quando começam a se molhar afogam e servem de comida aos peixes amigos dos patos. Fechado um ciclo nada normal nesse ecossistema de terror. É sangue,  morte e quá, quá, quá, os patos eram de borracha naquele ambiente de piranhas. Me sinto num labirinto de espelhos.  Vejo monstros por todos os lados. Sinto o bafo no cangote, ouço rosnadas e espero a mordida. Aqueles que seguravam as mãos se soltaram e alguns já foram mordidos e se bestializaram também. Carrego alguns familiares juntinho, com o amor que não nos deixa desapegar, mas outros braços da família já foram vistos me apontando pelo espelho. Esses diziam gostar de mim, mas eu não pensava como eles. Trazem as bestas pra perto como se fossem amigos com os quais eu devesse me enturmar. A anestesia dos bichos que levam em seus braços não os deixaram perceber as mordidas em suas carcomidas mãos. Já os outros convertidos se confundem com as feras em sua esquizofrenia anti-social.  Mordem e são mordidos. Matam e são mortos com a banalização suficiente que o ódio propicia, sem culpas, mas com muito instinto de desunião. Barbárie e espelhos no meio de um labirinto com meia saída e uma esperança desbotada, apagada pela sombra de desilusão que toma conta do ambiente. A fuga passa a ser meu pensamento repetido. Já podemos dizer que se “correr o bicho pega, se ficar o bicho come “.
Ora bolas, se for tempo de ir embora, talvez eu compre a frase do whatsapp do rapaz que lava meus carros, o qual profere em seu status: “melhor ser um favelado feliz que um playboy mal amado”. Afinal de contas vão-se os anéis e ficam-se os dedos. Deixaria tudo numa triste partida de Patativa do Assaré, pois por aqui os incomodados que se retirem. Só não precisava que fossem gerados tantos incômodos, tanta discórdia, tanto desamor. Queria ter tempo pra pensar no planeta, me encher de positivismo, e viver com a liberdade de pensamento, a felicidade estampada no rosto, os desejos de partilhar alegrias em vez de colher decepções. Os amigos já são colegas, os colegas ficaram bestas. Como dizia um antigo amigo, agora colega, estou esbesticido (espantado em nordestinês) com toda essa loucura e idolatria ao ódio. Só o amor constrói, por aqui tudo sendo desconstruído. Refazer é mais difícil,  mas todo labirinto tem dois lados. O sol já está se pondo, numa saída a madrugada, na outra o entardecer. A luz apagada é vela soprada, o fogo que mata é frio na alma, o beijo e o afago atritam os gravetos da minha mente. Acreditar na sorte é dar vez ao azar. Prefiro me apegar com o que vejo. A doença precisa de remédio,  isso não posso negar. Por pior que seja talvez melhor provar o amargor do reinício do que perder todos os sentidos.