O ATO DE FAZER

O ATO DE FAZER

Ao longo da vida algumas descobertas me chamaram atenção. Não é a leitura de algo interessante que nos traz a incorporação da idéia, mas sim a internalização desta. Portanto devo ter me deparado várias vezes com determinadas informações até que as mesmas pudessem ser misturadas ao meu eu. Momentos de vida por vezes são definidores dos motivos pelos quais conseguimos aprender uma lição.
Olhar meu filho se descobrindo com seu desenvolvimento neuropsicomotor neste primeiro ano de vida dele me faz perceber que de certa forma meu piloto automático diário me deixa muito preguiçoso e sem graça. Uma comunidade no Japão foi estudada porque se destaca mundialmente pela longevidade dos seus cidadãos. Dentre coisas como alimentação e exercício físico, também tão badalados aqui no ocidente, a forma de viver, com uma atividade laboral encarada com leveza e o foco em atividades sociais e hobbies, demostram a preocupação dessa população em fundir trabalho com bem estar, comida com saúde e amizade com o prazer de partilhar e sentir-se útil.
Tudo isso me leva a crer que a forma de fazer a vida passa a ser definidora da qualidade que a ela destinamos. Portanto o ato de fazer requer atitude. Aqui no ocidente alguns jovens aderindo a “desafios” . Segundo o que entendi comunidades internáuticas de adolecentes se propõem a realizar tarefas perigosas e sem sentido com o intuito de serem consideradas pessoas “interessantemente” desafiadoras perante a opinião de seres tão bestiais quanto eles próprios. Esses seres quase irracionais deixam que pensem por eles, que guiem suas atitudes desmedidas, colocam a culpa em outras coisas para não assumirem suas responsabilidades , não cuidam da saúde mental porque não pensam, encaram os fatos como prêmios geradores de felicidade egocêntrica, passageira, por vezes marcada por um sofrimento duradouro e mutilante. Ouvi falar em suicídio infantil na tentativa de mostrar o quão desafiadores poderiam ser. Estes perderam a oportunidade de desafios verdadeiros, de vida, não de morte, que nem “Severina” foi.
Nessa noite acordei com o grito desesperado de fome do meu pequeno. Diz a mãe que trata-se de sono intranquilo resultante de pico de desenvolvimento. Em resumo penso tratar-se de consumo energético excessivo toda vez que ele adquire uma nova habilidade motora. Isso faz com que ele passe o dia colocando em prática sua conquista e talvez até sonhe com isso a noite. O fato é que acorda a noite, e com muita fome, tornando seu sono e o de seus pais um ato fragmentado, aparentemente menos impactante nele no outro dia, pois sua bateria parece recarregar mais rapidamente que a minha. O fato é que ele grita, e alto. Sua inabilidade de falar não suprime sua expressividade. Ele habilmente coloca pra fora seu desejo. Acho até que é movido por isso, vontades. Estamos eu e mãe na fase de moldá-lo, de mostrá-lo novas formas de expressar-se, de demonstrar que pode conseguir coisas apontando, ou se aproximando, agarrando…enfim, o estamos deixando explorar os seus prazeres, uma vez já restritos exclusivamente as mamas maternas.
Volto apenas a dizer que ele nos ensina muito enquanto tentamos dar uma de educadores de bebê. Nessa noite dei água para tentar enganá-lo quando do seu primeiro chamado, achando eu que saciando a sede talvez tudo terminasse num bom descanso para nós dois. Ele se aproveitou bebeu o ofertado, explorou meia hora de colo paterno, cochilou mais meia hora e depois me chamou aos berros. Não precisou ser mais claro que não iria me deixar dormir enquanto eu não desse aquele leitinho que ele queria desde sempre. O fato é que não adianta artifícios, burlar desejos é padecer pelo desejo de continuar desejando. Ao tentar dormir, agora mais zumbi do que antes, ainda estava na mente com a canção de ninar que pus no quarto dele para acalmá-lo. Ainda coloquei o ouvido na parede que divide nossos quartos e percebi que a música tocava apenas nos meus pensamentos. Cabeça no travesseiro e ainda duas ideias antes de apagar: quando for fazer algo faça bem feito para não ter que repetir de outra forma; essa sonoridade é como uma mentira repetida e bem contada, te pega na fragilidade de um momento, te deixa uma marca de pensamento, mas não resiste a uma pequena investigação de um curioso antes de dormir. A vida é um ato prolongado, não nos deixemos enganar, os desejos mais sinceros estavam em nós desde o nascimento, saber respeitá-los revela a sapiência de um bebê, o qual ainda pára para aproveitar o caminho.