PERIGOSOS PAPÉIS

PERIGOSOS PAPÉIS

“Felicidade foi embora e a saudade no meu peito ainda mora.” Esse era o trecho de uma música escutada por mim quando criança enquanto tentava aprender a tocar violão, algo nunca conseguido e fruto de uma certa frustração  pessoal. A vida nos abre várias possibilidades e tocamos tantas outras coisas mudas que virei um adorador da música e colecionador de sons em casa, deixando de lado a minha incapacidade de reproduzir notas em cordas.
Mesmo assim lembro daquela canção e quando a tristeza dos acontecimentos brasileiros atuais toma conta da minha cabeça me desenergizo um pouco pelo futuro do pretérito que perdi na conjugação de vários verbos sociais. Alguns dos meus amigos me atingiram como cortes de papel, silenciosos, disfarçados pela inofensividade da brancura do ofício, ou do pautado, em suas linhas retilíneas que acabam do outro lado, pois vazios que são não se deixaram tocar pela tinta que podia contar um enredo de completude. Foram cortes fininhos, ardentes, cobertos pela pele como se não existissem, mas a água quando os lava mostra exatamente a ferida oculta aos olhos e sentida nos nervos. E o ar de normalidade se apodera dos maus samaritanos. Seus passaportes egocêntricos agora com folhas carimbadas em campos devidamente preenchidos por uma tinta de caneta de folgada ponta, escrevendo tortuosidades. Não há de se produzir linhas esculpidas, nem arte, nem som de alegria, pois não perceberam o cartucho estourado segurado pela ponteira danificada que está prestes a estourar em nossas vidas.
Sigo no desenrolar dos meus pensamentos, tentando entender minha inserção universal, avaliando meu próprio mundo interior. Passo a ter compreensão de que muito pior que ser desinformado é ser mal informado, ou pior ainda, manipulado. Escutando a balada do louco intrerpretada por Ney Matogrosso, convicção de que pretendo viver a minha loucura pessoal em vez de me impessoalizar.
Em detrimento às minhas críticas aos super-heróis que inventam inimigos de outros mundos quando já temos crueldades reais e avassaladoras na Terra as quais são pouco abordadas, sigo curtindo alguns mangás japoneses. Em todos eles algum superdotado se sobressai com qualidades  que costumam desenvolver-se no desenrolar dos capítulos. Como sempre, na batalha final, o autoconhecimento do personagem o leva a uma internalização profunda externalizada num último golpe fatal, onde o bem subjuga o mal.
Na vida real, meu herói estava preso. Seus golpes eram políticos, sua força estava nos outros, sua vida entrecortada pela injustiça de quem deveria promover a justiça, seus anseios são os meus, sua tristeza minha dor. Aqui a releitura do cristianismo se dá com a escolha de Barrabás novamente. Enquanto o ser humano viver de medo estará fadado a ser consumido pelo ódio. Não existe escrita certa por linhas tortas, mas sim história manchada em papéis que cortam.