PLANTADO E SEM “FRUT’URO”

PLANTADO E SEM “FRUT’URO”

rogerio nei

Hj estou de plantão, 12h sem a luz do sol, no frio congelante de ar condicionados que ressecam minha garganta calada. Ouço barulho de apitos e buzinas fora do hospital. Fico em frenesi. Será um protesto? Algumas pessoas se aperceberam de algo? Clamor social? Descubro como abrir uma fresta da janela e me deparo com uma encenação teatral feita por adolescentes numa faixa de pedestre em um bem escolhido Sinal de quatro tempos. Pena que estavam de costas pra mim. Gasto um tempinho pra assistir a cena repetir-se. Depreendo que seja algo relacionado à drogas. Primeiro alguém aparenta ser bêbado, faixas escritas pro outro lado, depois uma garota controla a outra como marionete, faixas, depois eu consigo ler a palavra Deus.
Confesso que fiquei frustrado. Meu pai contava uma história de um pedinte que pedia aos homens em nome da misericórdia divina, alguém o alertou que o pedido deveria ser voltado à sua condição desumana de fome.
Tenho lido um pouco sobre filosofia, mas na verdade sou amante de carro. Queria eu ter como profissão avaliar veículos, mas desejo mesmo falar sobre a sociedade. Thomas Hobbes na sua obra Leviatã defendia a soberania de um poder supremo que subjugasse as pessoas à leis com severas punições a fim de instituir a segurança necessária para que os indivíduos pudessem ter seus direitos respeitados. Infelizmente os pensamentos dele talvez tenham sido mal utilizados para se justificarem barbaridades ocorridas no século XX.
René Descartes vem com uma dúvida sobre o ceticismo filosófico defendido por Pirro e, em suas dúvidas sobre a confiabilidade em nosso sensório na interpretação dos fatos, sem saber ao certo a explicação da ligação entre e corpo e mente, chega a conclusão de que “penso, logo existo”.
Toda essa minha enrolação mental acontece logo depois de ter conversado com um grande amigo ateu. Me relatava ele que hj, após ter assumido sua descrente postura religiosa tornou-se mais humano e preocupado com sua saúde. Fascinante tal pensamento. Eu particularmente o admiro muito e fiquei impressionado com sua leveza diante da falta de necessidade de preencher espaços sentimentais vazios com a presença de um ser extraterreno que não conhecemos. Esse meu amigo prega a necessidade estatal elaborada por Hobbes, mas dentro de um regime democrático com a utopia de uma mídia comprometida com a verdade.
Ao me perguntarem de Deus respondo que acredito em algo maior. Seria quase como a explicação de Tomás de Aquino, o qual numa racionalização infinita das coisas chegava a um ponto sem resposta, esse vazio seria explicado por Deus. Não parece encaixar com a nossa necessidade? O meu conceito foca no fato de certas coisas serem tão fisiologicamente complexas no ser humano que algo divino há de estar presente.
Sempre a tona assuntos como a dicotomia do corpo e da mente. Não raro nos deparamos com pessoas de vitrine, aquelas de beleza exterior exuberante, mas a mente trancada no vidro da loja. Pra mim parece um robozinho com uma fajuta programação, sem poder interpretativo. Diferentemente de Descartes elas “mostram, logo existem”, mas não pensam.
Ainda com dificuldade de assimilar todas as demandas da nova geração me preparo para o meu filho. Alguns exemplares desses jovens estão dando um tilt. Um se sentiu perdido com o término do relacionamento, a droga o achou. O sinal verde abriu, mas o carro 2.0 turbo com muitos quilômetros de estrada pela frente já bateu e não anda mais, ele não sabia o que era vermelho, ou não respeitava, ou ainda achava que não cruzaria com nenhum obstáculo na sua vida vazia, sem sentido e sem sinais. Ainda não criaram um martelinho de ouro mental.
Uma família aplaude o filho de sucesso social, passou em todos os concursos e agora esse modelo de cidadão perfeito aos 33 anos, consumidor dos bens de consumo capitalistas, já tinha tudo, só não preenchia o vazio que o acompanhava, a droga o achou e seus punhos e mãos ameaçam a vida da esposa. E agora meu Deus?
Esse é exatamente o ponto que quero chegar. Será que a falta de internalização, de conhecimento e auto aceitação nos faz sair em busca de um preenchimento também vazio em sua essência? 
A cultura oriental é fabulosa. Enquanto no ocidente nos sentimos vivos com a mente freneticamente processando dados e fazendo o corpo acompanhar as diversas experiências sensoriais capitais consumidas, no oriente o nirvana é atingido no vazio de pensamentos em atitudes relaxantes onde se busca calmamente esvaziar a mente.
“Aqui se faz, aqui se paga”. Vivemos numa redoma de medo maquiavélico. Esperamos da traição uma vingança justiceira. É um mundo onde se trabalha o percentual controlador humano. Esse egoísmo era a essência da obra “O Príncipe”, um manual de poder e trapaça sem limites. “Os fins justificam os meios”. Mesmo que não sejamos maus, encaramos uma vida de probabilidades, calculamos o futuro no presente, por vezes baseados em culpas, medos e remorsos. Seria o futuro do pretérito que eu estudava pensando ser aula de português? Será que estaremos fadados a olhar pra trás e bater de frente? 
Há de existir uma conexão do corpo com a mente. As vezes passamos o dia relaxando o corpo, mas os pensamentos ficam entediados. Em outras ocasiões a mente fraqueja e a imunidade  também padece. Mas ora bolas, as máquinas são assim. Meu carro tem controle de tração, ABS, frenagem autônoma, air bags. Tudo isso  automática e rapidamente, respondendo a estímulos presentes em sua codificação para interpretação e ação. Hj em dia campo de trabalho criado para robotização em substituição à certos trabalhos humanos. A diferença é que máquinas não pensam ainda. Quando elas um dia o fizerem seremos Deuses pra elas? Se a resposta for afirmativa seria mais pelo medo de sermos capazes de cortar seus fios ou mais pela gratidão de os termos criado? 
O meu amigo ateu está muito feliz porque o homem conseguiu finalmente saber a localização da terra no sistema galáctico. Ele tem convicção de que a industrialização vai acabar com a camada de ozônio. O último habitante daqui um dia dirá: “nem penso e nem existo”.
Apesar de vivermos numa época de paz, se eu pudesse escolher seria um índio no Brasil antes de Cabral.