SINCERAMENTE

SINCERAMENTE

Tenho um amigo que sofre de “sincericídio” e sobre tudo fala abertamente algumas vezes em pensamentos fechados pelo viés de uma opinião até certo ponto enrigecida, não diferente da maioria de nós. Nesses dias ele me falou que a mim tinha respeito, porque apesar de termos opiniões políticas antagônicas admirava meu caráter. O respondi que não precisamos ser iguais e que a moral e respeito estão acima de diferenças.
No mesmo ambiente tenho breve conversa com um colega de trabalho extremamente complicado, um mentiroso nato, antiético ao extremo, que desperdiça todas as muitas oportunidades que a vida o oferece. Até ele consegue ser sincero nas entrelinhas das suas muitas mentiras e isso me deixa impressionado, pois um erro justificado como acerto é como a loucura contada pelo doido.
Sumiu a prótese de um paciente e ninguém assumiu a culpa. Decidi pagar por dentes novos, por achar que ele teria sido o maior prejudicado na história. Serviço feito e sorriso novo. Juro que não buscava agradecimento, mas me doeu um pouco ver que nem os possíveis responsáveis nem o próprio beneficiado não me destinaram nem um simples obrigado. O único comentário sincero que escutei foi ser considerado um trouxa por eventualmente ter sido enganado por alguém que pode ter inventado uma história de perda para que algum “otário” pudesse pagar. Continuo eu achando que fazer o certo é sinceramente o melhor caminho.
Um estacionamento caótico me aguarda em um dos meus empregos. Tenho chegado meia hora antes dos meus compromissos, mas ainda assim por vezes não encontro vaga e caio na fila daqueles que rezam para não terem seus carros avariados do lado de fora. Certo dia, conseguido um lugar (vaga) ao sol, encontro meu carango trancado na hora deixar o trabalho. Depois de uma estrambólica manobra pra sair chega o dono do veículo que impedira minha saída. Sinceramente desci do meu carro e expus minha insatisfação, sem palavrões, mas com muita ênfase na chateação que aquilo me causou. O dono do outro veículo justificou-me que teria posto seu número no parabrisas, portanto não havia motivo para eu reclamar. Volto a repetir, de que adianta ser sincero se atrelado a maus preceitos?
Em outro ambiente uma fucionária do hospital foi expulsa do serviço porque esculhambou com um outro colaborador, o qual oportunamente explorou a cena com uma filmagem de celular. Ela fazia parte daqueles que dizem não levar desaforo pra casa. Será que essa é uma decisão sábia? Onde está a inteligência emocional das pessoas? As vezes fica difícil defender quem atacou. O contexto das ações por vezes é esquecido diante do fato isolado. Demonstrar insatisfação sem argumentos é dar a cara e receber a tapa.
Não tem vantagem nisso.
No rádio toca uma música chamada “seu Polícia”. Resumi-se a uma letra na qual um homem sofrendo de amor se sente no direito de deixar o som do seu carro tão alto a ponto de a todos incomodar. Depois de reclamações chamam a polícia por poluição sonora. O rapaz responde ao “seu Polícia” que prefere ser multado a desligar o som que alimenta seu sofrimento. Sinceridade vagabunda que não contempla o bem estar alheio. Sinceramente, está difícil conseguir conviver com sinceros vazios, desinibidos pela ausência de respeito e amor ao próximo, expondo vontades vis e desejos excludentes, levando uma vida introspectiva e nada socialmente contemplativa.