SORRISO ESCONDIDO

SORRISO ESCONDIDO

Hoje, alguns anos após o falecimento da minha avó materna, descobri que ela era sorridente. Logo eu, que unicamente a vi sorrir quando estava com mal de Alzheimer. Na minha lembrança ficaram fotos de aniversário com olhar de preocupação, raiva ou angústia, pra mim tratava-se de uma senhora ríspida que não soube cultivar muito bem o amor dos netos, apesar de toda a admiração que tinha por minha pessoa. Fui muito grato por isso e tentei retribuir com cordialidade e respeito.
Em seu velório li um texto em voz alta e ao levantar os olhos uma cena intrigante, um caixão rodeado de pessoas comovidas pela perda. Dentre elas alguns familiares, mas muitos outros que nunca vi antes, amigos de longas datas, pessoas por ela ajudadas, me atrevo até a dizer que admiradores ali lamentavam um ser do bem partindo dessa dimensão.
Pois bem, passado o luto, guardando sua memória em mente, venho nesses dias lembrando dela e me deparo com uma conversa onde se revela a natureza feliz que a mesma tinha. Na memória dos meus antecessores havia uma mulher de bem com a vida, que promovia festas, chamadas na época de assustados, e que, além disso e ainda mais importante, ajudou muitas pessoas com favores e amizade sincera. Por ironia do destino um filho do seu “rebanho” foi perdido e a alegria só voltou na sua demência, quando ela talvez achasse que o mesmo estivesse vivo. Acho que os filhos dela eram o seu motivo de sorrir, com aquela perda ela ficou “banguela”, incompleta, sem razão para mostrar o sorriso que se escondeu.
Recentemente ouvi a história de um rapaz que teve maus momentos em sua vida. Avaliar a situação do outro é sempre muito mais fácil. Tenho apresentado a vontade de conhecer-me, mas paro para avaliar situações cotidianas com os outros com os quais convivo. Parece-me que as pessoas não pensam no que pensam, é a incapacidade de desenvolver um raciocínio crítico, acabaram-se as pulgas atrás das orelhas, a avalanche informativa é tamanha que o dado não é processado. É como uma conta de matemática onde um número foi esquecido, o resultado é outro que não o certo. Pois bem, mas voltando ao meu conhecido, ele passou por maus bocados, sofreu um pouco mais do que um cidadão com uma vida tida como normal, pagou “seus pecados”, mas a vida o entregou nova oportunidade, a qual ele não consegue aproveitar. Segue com baixa auto-estima e não fez “do limão uma limonada”. Ninguém pode ser feliz por ele, ninguém pode sorrir o seu sorriso, ele aprisionou a felicidade num cantinho fora do seu ser e, embora a deseje, não consegue sentir-se capaz de alcançá-la.
Por essas e outras coisas ando pensando que a felicidade é uma escolha. Tive momentos na vida em que vivi como um zumbi, um batedor de metas, um traçador de objetivos. Isso me fez alguém na vida profissional, mas hoje penso que poderia ter sido bem diferente, com mais flores pelo caminho, economizei sorrisos, não foi o melhor jeito. Por isso digo que o túnel do tempo é importante para olharmos os parafusos que folgaram um pouco no trilho da vida, mas o importante mesmo é que a viagem é sempre pra frente e essa talvez seja a coisa da qual mais temos certeza. Escrever pra mim se tornou terapêutico para que me diga certas coisas que preciso ouvir, refletir e ser melhor. Aqui nas palavras não sou um justiceiro que tenta corrigir os outros, esses erram muito, sou apenas eu mesmo me contando fatos, com dedos que não me traem, na perpectiva de me manter no sorriso, me afastando das eventuais dores que possam surgir. Se a vida te sorri, por que não sorrir de volta?
Só para constar, tenho real idolatria pelo sentido da visão, mas confesso que nutro paixão pela audição, pois a música e os gritinhos do meu bebê me abrem um sorriso sem igual.