EDUCADOR DE VIDA

EDUCADOR DE VIDA

Ficar em casa confinado me dá saudades da minha antiga psicóloga. Nervos a flor da pele como reflexo dos desafios de viver longe de atividades sociais. Mundo afora surtos emocionais eclodindo, junto a dificuldade de querer assumir os papéis que não são nossos de praxe. O de professor é dos mais difíceis.
Meu pai foi meu ídolo e assumiu de novo o posto quanto me tornei pai. Na minha criação me lembro de uma única surra que eu e meu irmão mais novo levamos por descumprirmos a regra da reincidência no erro previamente alertado. Lembro dele nos dando banho e passando água gelada onde o cinto pegou. Deve ter doído nele também.
Eu que sempre o achei muito impositor descubro que minhas reações com os filhos assumem uma mistura bombástica de permissividade com austeridade. Não me lembro de meu pai tão alterado como estou, ele simplesmente se dava ao direito de não discutir o que não queria conosco, fugindo dessa onda super explicativa educacional que vivo com meus descendentes. Éramos muito bobinhos pela exposição informativa mais restrita. Penso que crianças realmente ganham mais divagando em seus sonhos acordados, contemplando a natureza num passeio de bicicleta, soltando uma pipa, correndo horas atrás de uma bola, enfim, fazendo algo duradouro e que não exija muita sinapse cerebral. O ainda pouco desenvolvido ato de focar deixa a mente deles sempre aberta a divagações curiosas enquanto exercem atividades leves. A falta da escola na pandemia nos trouxe o buraco do excesso de convivência fraterna, a qual é marcada de exigências. Os filhos começam a emaranhar seus pensamentos nos jogos de barganha e atenção que travamos por diversas coisas. Informação televisiva mastigada gera mais dúvida e questionamento que qualquer aquisição de conhecimento. Logo eu que projetei lições para meus adolescentes percebo quão imaturo é o fruto verde da primeira infância, azedo na mordida, perdido na medida, desmedido na força, forçado a ser o que a raiz da árvore familiar traz de nutrição mental. Em tempo de crise é preciso engolir seus problemas para filtrar a mente, sem passá-los a frente. Os filhos exigem o que as vezes não está em nós, mas sigo na busca. Um dia hei de dizer aos meus o que escutei num desabafo fraterno: ” dei o melhor de mim, se não fiz mais foi porque não soube como”.
Na atualidade pagamos o preço de correr contra a antropologia nessa anti socialização forçada. Esse enclausuramento tem um custo psicológico altíssimo. Não sei se sairemos disso mais bonitos como as borboletas. Nunca estive tão cansado apesar de trabalhar bem menos. Vivo me culpando por comparar-me ao meu passado, quando tinha mais energia e vigor, além de mais planos. Tenho apresentado um desejo mórbido em saber que outros pais passam por problemas parecidos com os meus. Me entristeço severamente com as frustrações dos meus filhos por não conseguir ensinar a simplicidade escondida no ato de ser feliz.
Oscilando num tempo galopante deixei pra trás aquelas dúvidas sobre o que eu não queria. Na busca de desejos minha vontade segue esbarrando em impossibilidades por vezes temporárias, mas o que realmente importa é o que nos faz sentir bem, o importante é se importar consigo, investir no eu e cuidar do nós, se amarrar nas cordas sentimentais, partilhar amor e drenar a dor.
Penso em qualidade de vida como investimento urgencial nesse projeto espiritual em construção. Só guardo saudosismo de tudo que fiz pensando em mim. Por agora passo uma turbulência emocional. Escutei o Queen cantando “Love of my life” e chorei pensando em filhos quando ele diz que envelhecerá e estará ao lado da pessoa amada lembrando do seu amor. Noutro dia tocava “Amuleto” e mais uma vez me emociono no “escapo entre seus dedos”. Fico me perguntando se para os meus filhos toca ” paz e arroz, amor vem depois”.
Um grande amigo me envia um vídeo de sua caminhada descalço. Os pés ao lado eram do filho que esqueceu suas sandálias e o pai o cedeu as dele. Um dia eles vão perceber porque somos mais calejados. Reconhecimento só vem com conhecimento. Os amo desde o nascimento, depois de cada briga e a cada amanhecer.