METADE DA METADE

METADE DA METADE

Ultimamente tenho notado que as pessoas valorizam mais a negatividade de suas experiências de vida. Ando escutando com freqüência expressões como: ando meio cansado, meio apagado, meio ocupado, meio estressado e até aquela que denota o fim dos tempos, meio de saco cheio de tudo isso. Ora bolas, havia eu estudado o sentido da metade em minhas aulas mais precoces de matemática. E pra mim aquilo significava que um conjunto havia sido partido ao meio com o mesmo número de elementos sendo igualmente distribuídos em novos grupos. Aquilo não parecia ser difícil de compreender. Entendi, inclusive, que só os pares têm metade.
Fico, então, a imaginar o que tudo isso poderia significar para os outros. Será que em nossa individualidade, concebida de graça por Deus, teríamos, com o tempo, perdido a graça de saber dividir? Será que ser ímpar implica em tudo isso? Não, não deve ser, pois, a propósito, falo aqui de sentimentos imensuráveis existentes dentro de cada um de nós, com os quais se pode fazer qualquer divisão que a mente ímpar nos permita. Isso é algo que passa pelo livre arbítrio, a maior expressão de liberdade de expressão. Não aquela que a mídia prega.
Por que não dizer que está meio descansado, meio aceso, meio relaxado, ou mesmo encarar que do ponto de vista volumétrico ainda se tem metade de um saco inteiro para ser preenchida? Isso contempla, inclusive, a possibilidade de se contar com metade do tempo para concretizar uma idéia a respeito do esvaziamento deste conteúdo que te enche negativamente. Acho até que as pessoas trabalham com uma margem de segurança importante em relação aos seus problemas, pois qualquer pequena coisa é interpretada com tanta intensidade e magnitude nos dias atuais que cada um tem carregado o seu copo de tempestade. Isso talvez não despreze a afirmação de que todo problema tem uma solução nem sempre perfeita, mas que ainda assim possa ser corrigida a qualquer tempo.
Por que, então, perder tempo com a metade ruim? Por que não olhar para o fim do túnel imaginando que a vida sempre nos oferece uma saída? Será que não poderíamos curtir nem ao menos metade das entradas? O dobro da metade dos meus amigos que compraram um carro novo me falaram que essa é a melhor marca de veículo. Também assim o fizeram ao mudarem de casas. Mas isso tudo é muito objetal. É muito fácil de interpretar. Os sentidos agradecem o novo, principalmente o olfato e a visão. Mas e a mente amante de tudo isso? A minha, por exemplo, já me enganou várias vezes. E tive que ceder a frase de que me enganei pensando que seria mais feliz com aquilo. Pelo menos metade das coisas foram muito boas.
Ontem saí com um amigo interessante. Um cara de idéias completas. Acho que talvez ele se sinta inteiro assim. Ando até dizendo a todos que no mundo atual há de se ter preceitos muito bem fundamentados para não se incorrer no erro de correr atrás da metade que é dos outros, e não sua. Assisti dois dias de um programa para adolescentes e fiquei triste pelos jovens que assistem aquilo. Deve ser depressivo perceber que não se tem tanto quanto aqueles personagens. Pelo menos deve-se saber que tudo é possível quando a alma não é pequena, e que existe felicidade, que a vida pode ser recheada de alegria. Essa é a metade do programa que eu gostei, mesmo que não seja exibido naquela novela teen nem sequer metade do esforço dispendido para se chegar ao pote de sorrisos.
Quanto ao meu colega, acho apenas que talvez pudesse ele escutar metade da metade que os outros tem pra lhe contar, pois tem hora que a conversa empaca, ele franze a testa, fecha a boca e diz que prefere ficar com sua inteira metade. Engraçado até de lembrar das cenas. O ‘cara’ fecha a cara. Mas e a mente? Pergunto mais uma vez. O que a metade da sua representação física cerebral diz de tudo isso? Será que não se criam novas conexões cerebrais que permitam pensamentos diferentes e até mais agradáveis? Não sei nem eu responder a esse meu questionamento, pois passei metade da vida pensando em como se explica a memória, e tudo que tenho lido fala em um bicho de sete cabeças, fala de hipocampo e de facilitação nervosa. Ora, é como se as marcas de uma estrada pudessem lembrar dos carros que por ela passaram e de onde vieram baseadas no peso, no atrito, na velocidade e no desgaste dos pneus. Acho isso absurdo de se pensar…
Nesses dias vi numa loja de fotografia certa frase interessante que reli três vezes na tentativa dela lembrar. Não consegui. Recordo apenas do seu pensamento. Dizia que a foto é a poesia dos olhos. Como gostei daquilo. Fiquei pensando na interpretação da interpretação da imagem congelada. Não consigo lembrar-me nem sequer da metade do dizer, mas não deixei de adorá-lo. Penso também na música que diz “goste de mim metade da metade do que eu gosto de você”. Sentimento exagerado da minha parte??? Também não sei, mas pretendo valorizar ainda mais as minhas mutáveis metades boas, gostaria que os outros assim fizessem comigo. Deixo apenas um inteiriço abraço a todos que gosto, mas apenas para a metade dos meus desafetos…hehehe.