VERSÕES

VERSÕES

Previamente já me pronunciei a respeito do fato de vivermos no mundo do excesso de informações,  o que gera um tamanho impressionante do que chamamos de “fake news”. Essas falsas informações encaixam muito bem no tripé do poder, política e mídia que comandam o planeta terra. Percebe-se que o modelo societário muito tem a ver com o tipo
de versão que determinada população escolhe. No meu país vivemos o receio de um proto facista assumir a presidência da república, capitaneando votos revoltados de um sociedade ensandecida que quer combater mortes com mais mortes. Essa é a cultura do dizer que vai fazer sem saber como, na marra, na imbecilidade dos tolos sem direção, sem propósito de vida comunitária.
Estou em plena fase de ensinamento ao meu filho de dois anos de idade. O danadinho tornou-se um ser desafiador e destemido. Por vezes comete o mesmo “deslize” por mais de uma vez. Fica bem claro que o processo de ensino há de ser repetitivo para aquisição de conhecimento. Ele me  espanta com seu grau de inventividade, pois trata-se de uma curiosidade permanente, a qual não se deixa cessar nas mil “primeiras” tentativas dele para determinada coisa que tenha iniciado. Meu pai costuma dizer que ele é um menino “rinitente” , o qual, por ser criança, por vezes perde a paciência e mete os pés pelas mãos, coloca mais força que o necessário, joga longe o objeto a ser consertado, chuta de raiva o motivo do seu insucesso, chama o papai nos seus momentos mais calmos.
O processo de adultização nos torna mais tementes aos segredos da vida, pois passamos a entender a morte e as desgraças que tiram a graça do sorriso. Perdemos as covinhas das bochechas e com elas também se vão a maior parte das alegrias “desmotivadas”. Ganhamos estresse e aumentamos a duração dos nossos sentimentos, o que é uma das coisas que mais me inveja no meu menino, pois em seu processo de desenvolvimento emocional ele consegue viver intensamente suas percepções, encontrando sorrisos depois de choros, sono rápido e gostoso depois de irritação de cansaço, o perdão depois da raiva.
Meu sobrinho ainda vivendo as adaptações mentais após divórcio dos seus pais. Filho único do meu irmão mais novo, vive a ansiedade da espera por um pai, que distante mora e encara uma longa viagem de ida e volta dupla, indo pegá-lo e deixá-lo em fins de semana e feriados. Suas vindas são recheadas de sorrisos que acendem o coração paterno, mas as voltas são lamúrias produtoras de lágrimas paternas engolidas a seco para não estimularem sofrimento no pequeno. Numa de suas voltas, apenas com 4 anos de idade, questiona seu pai porque não pode com ele morar. Questionado se havia consultado sua mãe sobre o tema, o mesmo responde que sim e surge com uma racional explicação após ter ouvido que com o passar dos anos ele próprio teria a oportunidade de escolha sobre com qual dos progenitores queria ficar. Declarou seu amor ao pai e afirmou que com ele queria morar já a partir de agora, pois se empurrasse essa escolha pra frente o que haveria de fazer com o tempo perdido durante o qual não pôde dividir sua alegria com o pai? Depois disso eu próprio criei lágrimas, e também contemplei a beleza da mente infantil, focada na alegria, catando pedaços de sorriso por ande passa, vivendo o presente da vida, plantando esperança e regando de “óleo” as engrenagens de adultos robotizados, congelados em seus preconceitos, consumidos por seus medos, gastando os batimentos cardíacos junto com o badalar de relógios corporais com suas mentes envolvidas pelo caos, comprando versões fúteis sobre a vida, gastando sua energia vital com o desnecessário, com as preocupações e, o pior de tudo, com a maldade que cultivaram ao longo da vida, perdendo seu tempo com qualquer coisa que não  enobreça a alma.
Vida boa é aquela renovada, redescoberta, mas para o bem. Não adianta juntar riquezas no deserto e morrer de sede porque o peso não te deixou ter energia suficiente para chegar a fonte de água. Problemas só são verdadeiros quando não tem solução. A percepção de mundo realmente está relacionada as nossas experiências. Crianças com câncer são providas de uma inteligência emocional por vezes não atingidas por muitos dos adultos. A relativização do tempo parece trazê-los a um mundo onde a dor e o sofrimento não merecem tanta atenção. Por vezes parentes choram e são consolados por seus pequenos doentes. Quando os vejo de cabeça raspada me lembro de budas com importantes analgésicos mentais. Um dia ainda volto ao começo, como diz determinada canção, e que seja com a leveza de uma criança, sem o abobalhamento de déficits cognitivos trazidos pela velhice. O importante é “não deixar de colocar a isca” em sua vara de pescar desejos. Quero morrer de cansaço, mas não cansado. Quero desligar-me como nos meus dias de glória, sonhando com o amanhã.  E que esteja longe dessa desconexão. Que daqui pra lá eu crie várias versões de mim, cada vez com mais “eu” e menos “ego”, mas que não sejam versões dos outros, enganado em minha própria falta de autenticidade, me enturmando com semelhantes inúteis em sua essência, egolatrando-se pela necessidade de sentir-se mais importante, menos humano, rico no bolso, pobre na alma, triste por tudo, apagado por deixar-se consumir em suas preocupações e negatividades. No universo nada se cria, tudo se transforma. Deixe o corpo envelhecer e a alma renovar-se, pois esse é exatamente o desafio da vida, viver o paradoxo das perdas e ganhos, com sorriso no rosto e a calma num amante coração.